Projeto Encontros Sociais

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segunda-feira, 26 de março de 2012

Projeto Travesia



Como explicado há algumas postagens anteriores, o nosso PET resolveu aventurar-se por mares nunca dantes navegados, seguindo uma sugestão da coordenação do grupo construímos um Pré-Vestibular destinado prioritariamente a jovens postulantes a uma vaga em uma universidade pública, que não teriam condições de arcar com as despesas de cursinhos particulares. O local considerado mais adequado, por vários motivos, para a realização do Pré-Vestibular seria a Escola Estadual Professor Carlos Alberto, e lá tive contato com o Projeto Travessia, o qual pretendo destrinchar em aspectos positivos e negativos pelos próximos parágrafos.
Para você que chegou aqui e não faz idéia do que seja o Projeto Travessia, vale um breve resumo. O projeto Travessia é uma política pública adotada pelo estado de Pernambuco a partir do ano de 2007, seu principal objetivo é formar no 2º Grau em um ano e meio alunos com dois ou mais anos de defasagem escolar ou que tinham parado de estudar, o projeto conta com importantes parceiros como a Fundação Roberto Marinho. Como principal metodologia de ensino o programa conta com o já conhecido Telecurso 2000.
Primeiramente devo confessar que o Telecurso 2000 era uma das coisas que eu mais gostava de ver na TV aberta, quando estava na escola ainda costumava acordar 20 minutos mais cedo para assistir um pouco de alguma aula que estivesse passando naquele dia, mas será que esse programa, que para mim era só uma forma de entretenimento, poderia ser adequado a substituir o Ensino Médio? Antes de tentar responder essa pergunta, gostaria de deixar bem claro que não sou pedagogo, sociólogo e sequer paguei alguma cadeira na faculdade relacionada a algum desses temas, portanto o que verão aqui é a opinião de um quase leigo no assunto, que está construindo seu argumento embasado em opiniões de educadores que conhecem de alguma forma o programa.
Em uma sala de aula “tradicional” deveríamos encontrar discussões, opiniões, de certa forma o professor deveria estimular no aluno uma visão crítica do mundo, para que esse reflita e interfira em seu meio, transformando-o de alguma forma, contudo infelizmente não foi isso que vi na maioria das salas de aula que entrei e também não enxergo essa função politizadora da escola quando é adotado, como método de ensino, o Telecurso 2000.

“É importante ressaltar que as teleaulas revestem-se de um poderoso discurso, baseado numa concepção pragmática de educação hegemônica em nossos dias, enquanto apontam para a possibilidade de desvendar e conhecer a realidade, eles atuam no sentido de produzir justamente o efeito contrário, que consiste em encobrir e falsear essa realidade. O Telecurso 2000 veicula a imagem de um cidadão dócil, socialmente domesticado e desprovido de vontade, ou seja, um cidadão integrado à sociedade e expressão de uma subjetividade socialmente danificada.”
 José Barone Mercadante Neto

Portanto, com essa metodologia de ensino é extremamente necessária a presença de um tutor/professor/educador realmente presente em sala de aula, que não seja responsável apenas por ‘dar play’ no DVD do Telecurso. Podemos obter resultados brilhantes se o material for usado de uma maneira correta, na escola em que estou trabalhando tomei o conhecimento de uma educadora do projeto que além de mostrar os vídeos, ainda os encenava e os debatia com os alunos, uma atitude que certamente vai cooperar para a construção do papel de um cidadão crítico nos estudantes. Contudo, já escutei professores do pré-vestibular dizerem que ouviram alunos comentando: “Não aprendi nada disso no Travessia”. Logo, fica a pergunta, será que o projeto Travessia pode realmente ser usado, mesmo que em alguns casos, como substituição do Ensino Fundamental ou Médio?

Ao examinarmos os números do projeto, 127.500 estudantes formados no Ensino Fundamental ou Médio em apenas dois anos, ficamos assombrados, mas temos que lembrar que os números por si só não refletem a qualidade desses alunos, dessa formação rápida e sem maiores cuidados surgem vários problemas, o mais sério seria o analfabetismo funcional em que uma pessoa consegue ler todo um texto, mas não tem a capacidade de refletir sobre. Isso me passa uma impressão que o governo não está realmente se preocupando com a qualidade dos alunos que estão sendo formados no projeto, sua preocupação seria somente formar uma grande quantidade de alunos e lançá-los despreparados, de certa forma, no crescente mercado de trabalho em Pernambuco, mas aí já seria assunto para outro post.

Dhyogo Cavalcanti é estudante de Ciência da Computação, futuro bacharelando em Direito e acredita que só a educação será capaz de corrigir os erros do país.

Um comentário:

  1. Dhyogo, você levanta questões importantíssimas nessa postagem, sobretudo, em relação a preparação e o compromisso de quem assume as salas de aula das nossas escolas.
    Não tenhamos dúvida de que o Travessia visa corrigir uma distorção estatística da relação idade-série, mas tudo escapa aos seus objetivos iniciais, e mesmo a política mais perversa pode se converter em um trabalho de valor.
    Nas nossas salas de aula do Pré-Vestibular, temos muitos estudantes oriundos do Travessia, e que mesmo com as carências dessa formação aligeirada, voltaram para a escola com todo o gás. Para mim, isso é um efeito do Travessia, ao abrir uma oportunidade para essas pessoas voltarem para a escola, que há muito havia sido abandonada; e que nesse retorno, redescobriram a educação.
    Certamente, o Travessia não tem condições de "substituir" o o primeiro ou o segundo grau, mas não é essa a sua proposta. Os problemas do projeto são os problemas que as salas de aula enfrentam em qualquer ambiente escolar composto por professores desmotivados e despreparados. E, é claro, agravado pelo aligeiramento do processo.
    Só mais uma ressalva: Não é "Escola Estadual Professor Carlos Alberto", mas "Escola Estadual Carlos Alberto Gonçalves Almeida".

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